Leandro Discreto, cria da Rocinha e um dos principais talentos do FIBA basquete 3x3, conversou com STREETOPIA sobre o seu encontro inesperado com o basquete através de sua mãe e como conseguiu transformar todas as dificuldades que surgiram em seu caminho, em uma história inspiradora e de muito sucesso.
Boa parte das famílias que vivem em regiões periféricas, quase que diariamente são expostas a condições em que precisam fazer muito além do que podem para sobreviver, para levar o sustento para casa e quem sabe conquistar uma vida digna e minimamente confortável. Esse caminho tende a ser ainda mais cansativo quando muitas mães acabam assumindo todas as responsabilidades da casa, principalmente no que diz respeito a criação, educação e proteção de seus filhos, que por algum motivo, não pode mais ser realizada em conjunto com o pai.
A juventude de Leandro Discreto por exemplo, acaba sendo reflexo de mais uma dessas histórias e que felizmente o levou ao encontro do esporte através da sua mãe: “A realidade das mães da favela é uma coisa que as pessoas não percebem muito. Meu pai morreu quando eu tinha três anos de idade e minha mãe era mãe solteira e trabalhava muito, inclusive em dois trabalhos. Então, eu não tinha muito tempo para estar com ela e nem ela comigo. Ela conseguiu através do esporte ocupar esse tempo que ela não podia estar presente para tentar de alguma maneira que eu não me envolvesse com alguma coisa que fazia parte da minha realidade ali...” e ele ainda completou: “O basquete veio como uma solução, como um pai e família praticamente, uma saída que minha mãe encontrou para tentar me tirar da criminalidade ou dos perigos da criminalidade...”
O primeiro encontro com o basquete se deu nas aulas do Clube Botafogo de Futebol e Regatas quando ele tinha 14 anos. Eram encontros semanais e até que bem legais, primeiro por ser em um ambiente completamente diferente de sua realidade e pelo fato de ser um garoto que sempre se deu bem com o futebol, e que até então era algo que não gostava. Mesmo tendo recebido elogios do seu professor por ter reconhecido sua habilidade, não era algo que enchia seus olhos e não fez tanta diferença. Mas o ponto principal, foi quando um dia acompanhou sua mãe para pagar a mensalidade do clube e se deu conta do valor que era, principalmente por levar em consideração o quanto ela ganhava na época, e foi nesse momento que ele desistiu.
O segundo encontro especial, foi quando ele participou de uma olimpíada escolar na época que estudava no ‘Brizolão’, um dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) idealizados pelo antropólogo Darcy Ribeiro, implantado pelo Governador Leonel Brizola entre 1983 e 1994 e considerado um dos principais projetos educacionais voltados para a educação pública. Discreto lembra que se deu muito bem na competição e acabou virando o líder do time, além disso, percebeu que o basquete apresentava uma outra face, que era a de você ser aceito em um grupo, de poder fazer parte de algo, se destacar de maneira positiva e perceber que pessoas celebravam suas conquistas: “O basquete era um lugar onde eu era especial, sabe? Onde as pessoas me tratavam bem, onde eu conseguia me destacar e ser reconhecido, onde eu conseguia trabalhar de alguma forma e ver o resultado daquele trabalho e as pessoas notavam isso...”
A realidade que vivia sempre foi pautada na competição, até mesmo como uma forma de se destacar e conseguir sair daquele contexto ou ter acesso à outras oportunidades o quanto antes, assim como as que vieram anos mais tarde através do basquete, um esporte que nunca teve sua atenção pelo entretenimento ou estilo de vida em si, mas sim por um aspecto muito mais acolhedor, afetuoso e familiar.
Um longa jornada foi percorrida até que Leandro foi considerado um atleta profissional, desde seu envolvimento em projetos sociais de basquete nas comunidades do Salgueiro e Rocinha, passando por rachões no Aterro do Flamengo e Lagoa Rodrigo de Freitas. Tudo isso contribuiu para que a qualidade do seu jogo em quadra fosse facilmente reconhecida, inclusive por outros jogadores profissionais.
Além disso, o compromisso em retribuir todo o esforço e dedicação de sua mãe para sua carreira era muito claro e um dos principais pilares de sua consolidação como atleta: “Chegou um momento que fiz uma promessa para minha mãe que eu me tornaria um jogador de basquete famoso e que ajudaria a construir a casa dela. Eu treinava sabendo que eu tinha que cumprir essa promessa...”
Finalmente os frutos que Leandro sempre sonhou começaram a ser colhidos, primeiro através da inscrição no King of The Rock, torneio de basquete 1 contra 1 realizado pela Red Bull que o consagrou primeiro como campeão nacional já que uma das eliminatórias aconteceram no Brasil e posteriormente um dos finalistas da final mundial, realizada na Prisão de Alcatraz em São Francisco.
Ele também foi um dos jogadores do Time STREETOPIA no maior torneio de basquete do mundo, o Quai 54 e dividiu conosco como foi esse momento: “Existiam várias coisas que envolviam aquele momento. A primeira, é você estar em um time com Leandrinho Barbosa, JP Batista, Scott Machado, Gui Deodato, com estrelas do basquete nacional e internacional e os caras decidirem chamar o Leandro Discreto. Daquele momento ali para mim foi o reconhecimento de toda uma carreira que as vezes não temos dimensão de o quanto alcançamos. STREETOPIA abraçou o basquete de rua, a origem, o gueto onde praticamente todas as coisas começam e reconheceu o valor do meu trabalho e da dedicação que tive no início da minha carreira e me colocou em um ambiente com atletas renomados. Foi muito gratificante e causou um impacto muito grande na comunidade do basquete...”
Para Discreto o basquete é uma fonte de energia e um espelho onde você tem a possibilidade de olhar para si mesmo, de se encontrar e se conectar de uma forma profunda e especial ainda mais com seus valores, vontades e crenças.
Atualmente Leandro atua como atleta do Valência Basquete e pretende utilizar toda sua experiência que adquiriu ao longo desses anos para estimular a prática do esporte entre os jovens.
O basquete agradece!
